Do chão a gente não passa

O pior sofrimento é aquele que a gente antecipa. Está tudo bem, o vento está a favor, os sinais estão verdes, as pessoas estão sorrindo, mas nem assim, a gente consegue acreditar que vai dar certo. Acho que se eu fosse um peixe, morreria só de dar de cara com o anzol. De susto.
Medo? Não, nem de longe, é só vontade de controlar a situação, de saber o que vai acontecer, de ter respostas. Tem coisa pior do que você ir a uma entrevista de emprego e ouvir: a gente entra em contato com você. Ou o cara te levar em casa depois de uma noite deliciosa e dizer: a gente se fala. Como assim, a gente entra em contato? Como assim, a gente se fala? Quero saber agora!
E começa o sofrimento.
A gente acha que o cara vai tomar o chá de sumiço. Que o currículo vai parar no lixo. Que não vai passar no teste. Que não vai terminar o trabalho. Que não vai ser promovida. Que vai ser demitida. Que não vai entrar no vestido na hora da festa. Que vai estar gorda no verão. Que a celulite vai gritar na hora que a canga cair. Que não será uma boa mãe. Que não vai conseguir nem trocar uma fralda. Que o bolo vai queimar. Que o suflê não vai crescer. Que vai colocar sal demais na comida. Ou de menos. Que a cerveja não vai gelar. Que ele não vai ligar. Que vai ter insônia. Que o peixe do aquário vai morrer. Que a horta na varanda não vai vingar. Que não vai conseguir dormir durante o vôo. Que as malas vão se perder no caminho. Que vai perder o ônibus. Ou o trem. Que a gasolina vai acabar. Que vai chover no fim de semana. Que a faxineira vai dar o cano. Que o celular vai ficar sem sinal. Que os ingressos vão esgotar. Que vai ter fila. Que vai ter trânsito. Que vai ser caro. Que não será bom. Que ele não vai ligar.
Passa um filme na cabeça. A gente já sabe a história toda. Está tudo fadado ao fracasso. Eita vida injusta!
Será? No fundo, tudo drama. Tudo ansiedade. Tudo parte do meu show. Mas tem um nome e atende por gastrite.
Hoje, li numa rede social, que não se deve criar expectativas. Já pensou que vida sem graça? Quero mais é perder a noite de sono, sentir o estômago dar voltas, a cabeça latejar. Não dá pra viver sem sonhar, sem querer, sem esperar. Fica tudo assim, sem cor, sem sabor, sem a tal da graça. Só vale a pena se a gente se jogar de cabeça no sonho, seja ele do tamanho que for. Do chão a gente não passa. Mesmo que seja com sofrimento. E daí? Vai que ele liga. Vai que dá tudo certo.

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